O que é esqui cross country

Ao contrário do esqui alpino, que inclui apenas descidas, no esqui cross country, o atleta deve percorrer, no menor tempo possível, percursos compostos de subidas e descidas.
Para se locomover, o atleta precisa usar todo o corpo (as pernas movimentam os esquis, e os braços empurram os bastões). Por isso, o esqui cross country é considerado pelos fisiologistas como o esporte que exige o maior nível de condicionamento aeróbico do planeta.
Existem dois estilos no esqui cross country: o skating, em que os movimentos lembram o da patinação, e o clássico, em que os movimentos lembram o da corrida.

 

Direto do Brasil para a neve da Vila Olímpica

Entre 1993 e 1999, Hélio Freitas treinou e competiu em triathlons e duathlons, tendo participado em sua categoria do Pan-Americano de Mar del Plata em 1994, do Mundial de Cancún em 1995 e do IronMan de Porto Seguro em 1998.
Em 2000 e 2001, treinou especificamente para maratonas, tendo completado a Maratona de Blumenau de 2001 com o tempo de 2h33min.
Hélio explica como se tornou um esquiador:
"Até 2002, não tinha nenhuma ligação com a neve, e a possibilidade de treinar um esporte de inverno nunca passou pela minha cabeça.
Durante as Olimpíadas de Inverno de 2002, casualmente assisti na TV alguns momentos de uma prova de esqui cross country, e depois li matéria de jornal relatando que os representantes brasileiros eram atletas amadores. Neste momento, tive a ideia de tentar representar o Brasil na próxima edição do evento. Nos esportes de verão, eu conseguia bons resultados, mas não tinha nível suficiente para competir de igual para igual com os melhores profissionais. Achei que no cross country eu teria chances de realizar o sonho de participar de uma Olimpíada."
Ainda em 2002, Hélio passou uma semana em Ushuaia, Argentina, onde teve o contato inicial com o esqui.
Em 2003, começou a treinar no Brasil com equipamentos que simulam os movimentos do esporte.
No mesmo ano, participou pela primeira vez do Campeonato Brasileiro de Cross Country, que sempre é disputado na Argentina. Hélio é 5 vezes campeão brasileiro da modalidade (2003/2004/2005/2006/2007).
Em 2005, Hélio se tornou o primeiro brasileiro a representar o país em um Mundial de Esqui Nórdico, e se qualificou para as Olimpíadas de 2006 por ser o brasileiro com melhor pontuação no ranking da Federação Internacional de Ski.
Em 2006, depois dos últimos treinos a uma temperatura de mais de 30 graus no Brasil, embarcou com destino à neve de Turim. "Em Mundiais e Olimpíadas, sempre há alguns atletas representando países que não têm neve", diz Hélio. "Só que todos eles ou moram em países com neve, ou pelo menos passam longas temporadas treinando na neve. Nunca ouvi falar de algum outro participante de Olimpíada de Inverno que tenha viajado direto de um país tropical para a Vila Olímpica, como fiz em 2006."

Matérias sobre os treinos de Hélio:



Avaliando sua participação nos Jogos de Turim, Hélio afirmou:
"Para mim, a maior vitória foi ter chegado até uma Olimpíada. Por ser o único atleta que sempre morou em um país tropical, imaginei que chegaria em último lugar. Mas acabei fazendo a melhor prova de minha carreira de esquiador, e consegui superar alguns outros atletas, o que me deu uma razão adicional para ficar satisfeito."

Após as Olimpíadas, Hélio competiu no Mundial de Esqui Nórdico de 2007, realizado em Sapporo, Japão, e no Mundial de Esqui Nórdico de 2009, realizado em Liberec, República Tcheca.
Em janeiro de 2011, obteve a segunda melhor pontuação de sua carreira, em prova válida pelo Campeonato Americano.
Hélio, que vem passando em torno de 3 semanas na neve a cada ano, não se classificou para o Mundial de 2011, realizado em Oslo. Apesar de seu nível de desempenho ter sido bastante superior ao exigido, o índice utilizado penalizava os atletas que não competissem no mínimo em 5 provas na temporada.


Abaixo você pode ler trechos de um livro que conta toda a história de Hélio (o livro não foi publicado).

 

Brasil Abaixo de Zero - Trecho 1

O brasileiro Hélio esquia. Sim, ele esquia no Brasil.
Na falta de neve de um país tropical, esquia na grama.
Ou no asfalto, o que deve ser o calor do inferno na terra.
Quando convocado para representar o país em provas preparatórias para as Olimpíadas, viajou para o exterior com despesas pagas pela Confederação Brasileira.
Foi o suficiente para atiçar as línguas mais ferinas:
– Cuspe à distância. Quem sabe eu sou o melhor do Brasil, aí também posso tirar uma folga pra viajar de graça.
Naturalmente, o combustível de muitos é a inveja, pois quem não gostaria de estar em situação semelhante?
Quando Luciana viu, pela primeira vez, Hélio treinando no canteiro da avenida mais movimentada da cidade, em pleno horário de rush, soltou a seguinte observação, com uma expressão entre divertida e irônica: “Eu voltando para casa, a Norte-Sul meio congestionada, e vejo um ser estranho no meio do canteiro com uns bastões, eu olho direito e adivinha quem é, é o Hélio.” Pelo menos ela não gritou “Quer aparecer? Pendura uma melancia na cabeça!”, ou “Maluco! No Brasil não tem neve!”, como ele diz já ter acontecido muitas vezes.
A situação seria constrangedora para muitos, mas para Hélio, que é extremamente introvertido e faz de tudo para passar despercebido e evitar maledicências em outras circunstâncias, deve ser uma via-crúcis.
Quem realmente o conhece se questiona sobre como é possível que ele pegue o par de esquis, as botinhas apropriadas – ele chegou a precisar usar pés de cores diferentes quando um deles quebrou, o que deve ter tornado a cena ainda mais insólita – e os bastões, e vá treinar assim fantasiado num local movimentado, com manés gritando impropérios de dentro dos carros que transitam nas pistas de ambos os lados do canteiro.
Só mesmo com uma fissura muito forte pelo esporte.
A recompensa pela dedicação de Hélio veio com um inesperado reconhecimento em fevereiro de 2005, quando participou do Campeonato Mundial de Esqui Nórdico realizado em Oberstdorf, na Alemanha. Já habituado, tanto aos comentários venenosos, quanto às brincadeiras mais inofensivas dos conhecidos, foi surpreendido com o assédio de jornalistas e fãs recém adquiridos.
Foi a sensação da mídia, que o chamou de “darling of the public”, relatando que “o brasileiro conquistou o coração dos espectadores”. Na prova de 15 km, apareceu mais tempo na transmissão da televisão que os medalhistas e demais atletas profissionais. No Brasil, ganhou destaque no caderno de esportes da Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Brasiliense e Zero Hora, além de outros jornais de menor circulação.
Seu grande atrativo não é sua técnica, sua habilidade com os esquis, mas o exotismo de um atleta oriundo de país tropical que se dedica a um esporte praticado na neve, raridade no Brasil, e que ele próprio só veio a conhecer em 2002, já com mais de trinta anos de idade. Ao contrário dos grandes esquiadores, já nascidos e criados na neve, Hélio teve de aprender a se equilibrar sobre os esquis depois de “velho”, e a se contentar com o asfalto ou a grama passando por neve.
Cus D’Amato, treinador de pugilistas como o antigo campeão mundial Floyd Patterson, costumava dizer que garra valia tanto ou mais do que músculos.
Talvez o mundo ainda seja um lugar romântico, e a enorme cobertura recebida por um esquiador com habilidades medianas, em uma competição onde disputam os melhores do mundo, reflita o que os telespectadores ainda esperam para si mesmos: a superação de obstáculos e a dedicação a sonhos que parecem vãos, quando não estapafúrdios ou, pelo menos, muito remotos.

 

esquerda:
World Championships
"Darling of the public"








direita:
Deutsche Welle:
"Brasileiro é estrela
no Mundial de Esqui"





 

Brasil Abaixo de Zero - Trecho 2

A maior parte das matérias publicadas sobre Hélio tiveram um enfoque positivo, mas não houve unanimidade.
Hélio se sentiu um pouco desvalorizado quando um repórter da Estônia igualou sua participação no Campeonato Mundial à de Eric Moussambani, que representou a Guiné Equatorial nos Jogos Olímpicos de Sidney em 2000. O nadador, oito meses após ter sido apresentado a uma piscina, foi alçado ao status de estrela ao final de uma prova de 100 metros, terminada com muito custo.
"É verdade que ele não tinha uma boa piscina para treinar, assim como eu não tenho neve no Brasil. Mas não cabe a comparação com relação àquilo que cada um de nós realizou no esporte. Posso estar entre os últimos colocados em competições de alto nível, mas há doze anos que treino modalidades que exigem resistência física, e me dediquei ao cross country por um período bem maior do que os oito meses em que ele treinou para as Olimpíadas de 2000. Sem querer parecer presunçoso, não dá para comparar o nível de exigência de se nadar 100 metros com o que eu faço no esqui".
As Olimpíadas pretendem unir os povos de todos os continentes, o que é demonstrado pelos cinco anéis entrelaçados que compõem o Símbolo Olímpico.
Hélio, no entanto, acredita que o atleta olímpico, além de ser o melhor em seu país, deve ter uma história de compromisso com o esporte:
"Acho que a união proporcionada pelos Jogos teria um valor ainda maior se todos os continentes, inclusive a África, pudessem enviar para as Olimpíadas atletas que tenham tido a oportunidade de se dedicar e buscar alcançar o melhor nível dentro de suas possibilidades."
O economista queniano James Shikwati concordaria. Em entrevista recente à revista Veja, declarou:
"Se você der dinheiro a um mendigo e voltar a vê-lo na rua no dia seguinte, não se pode dizer que você o tenha ajudado. Ele continua mendigando. É isso que está acontecendo na África. Os países ricos anunciam mais e mais doações a cada ano. Temos de parar com isso. É preciso tirar o mendigo da rua. Temos de descobrir os potenciais desse mendigo, pois isso sim poderá melhorar sua vida. A África necessita é de uma chance para ser capaz de administrar e comercializar as próprias riquezas".
Sobre a oportunidade de participar de grandes eventos como o Campeonato Mundial e as Olimpíadas, mesmo não estando entre os melhores do mundo, Hélio afirma:
"Não gostaria de receber destaque apenas por ser uma coisa curiosa, mas porque posso servir de inspiração para aqueles que acreditam que suas limitações pessoais e os obstáculos que encontram pela frente lhes fecham as portas, quando não deveriam desanimar e muito menos desistir. E isso não apenas no esporte, mas de modo geral, em tudo na vida."
Seja com a busca pela excelência no esporte ou em qualquer coisa que seja, os Jogos Olímpicos servem de inspiração para muitos.
Entretanto, aqueles seres formidáveis que a maioria vê apenas na telinha parecem muito distantes de nós. Nós, atletas ou não atletas, estamos em um patamar diferente dos medalhistas olímpicos, semideuses que apenas contemplamos.
O fato de alguém “mais como nós”, gente como a gente, não tão longe da terra, ser capaz de sonhar com algo tão fantasmagórico como esquiar vivendo em um país onde não há neve, e buscar tornar o sonho palpável treinando no asfalto e na grama, faz com que tenhamos um estímulo a mais para correr atrás de coisas que parecem, de repente, ser menos complicadas do que antes.

 
Fotos: Reuters

 

Brasil Abaixo de Zero - Trecho 3

Dedicado, até mais do que no período em que treinou para triatlos e maratonas, justamente por saber de suas deficiências, Hélio procura aproveitar ao máximo seus dias na neve. Normalmente é um dos últimos a deixar as pistas, saindo apenas quando estas fecham.
Em uma ocasião, foi alertado por um atleta norte americano:
“Nunca vá esquiar em Oslo, seria muito perigoso para você!”
A explicação veio logo em seguida:
“Em Oslo, algumas das pistas são iluminadas durante toda a noite. Lá você certamente iria esquiar e esquiar sem parar, sem se alimentar e sem dormir, no fim das contas, iria esquiar até morrer!”
Em 2003, na sua segunda viagem para treino na neve, Hélio viu-se completamente só na imensidão branca, decidindo retornar para o hotel após um dia exaustivo.
Demoraria um pouco além do desejado. Por mais que tentasse, não conseguia tirar as botas dos esquis, e não havia ninguém à vista.
Sentiu-se, mais uma vez, um peixe fora da água, um outsider.
Hoje vê com bons olhos o acontecido, como nos rimos de coisas que, quando aconteceram, pareceram até trágicas. Mas, naquele dia, queria desaparecer na poeira – ou na neve.
Pensava: “Eu achando que posso aprender a esquiar, que posso até competir. Nem tirar os esquis eu sou capaz de fazer!”
Tentou durante um bom tempo, em vão.
Precisava devolver o equipamento, que era alugado.
Não tinha alternativa: teria que voltar à loja de locação de qualquer modo, mesmo que fosse andando sobre os esquis.
O caminho lhe pareceu mais longo do que qualquer maratona.
Quando se aproximou da loja de locação, o encarregado ficou enfurecido ao ver Hélio ainda calçando os esquis.
Obviamente, um equipamento tão caro desenhado para o uso na neve não deveria ser usado para caminhadas em pistas de piche.
Hélio se defendeu “O que eu iria fazer? Não conseguia soltar o esqui, precisava devolvê-lo. E precisava voltar para o hotel também, iria ficar na pista a noite toda?”
Sentiu-se menos pior ao constatarem que o esqui, de fato, estava emperrado.
O próprio funcionário teve dificuldades ao soltá-lo, embora, em momento algum, tenha reconhecido isso, não voltando atrás em seu acesso de fúria.
Depois de várias tentativas, o esqui cedeu, finalmente descolando da bota.
Hélio respirou aliviado.

 
Fotos: Getty Images

 

Brasil Abaixo de Zero - Trecho 4

Hélio diz que o grupo com que faz sucesso de modo unânime são as crianças.
Crianças não têm preconceitos, não tanto quanto os adultos.
Célia Bastos, professora universitária nascida com uma anomalia genética chamada osteogenesis imperfecta, possui uma página na Internet onde relata suas experiências com crianças, que falham – ou melhor, acertam – em não vê-la como uma deficiente física e depois uma pessoa, mas como um indivíduo antes de qualquer outra diferenciação ou pré-julgamento.
Célia conta, por exemplo, um passeio com o sobrinho, em que ele, curando-se de uma catapora que o deixou todo “pintadinho”, achou que todos estavam olhando para suas “cataporas”, e não para a tia de 122 centímetros, óculos “fundo de garrafa”, aparelho de surdez e bengala para auxiliar suas pernas tortas, e sim para ele, o menino de oito anos, “loirinho, fisicamente normal”. Bernard, em sua inocência – e esperteza - nem imaginava que o alvo da curiosidade alheia era a “super tia”, que nem sonhava ser “uma deficiente”.
Quando Hélio treina, embora muitas vezes ouça comentários pouco educados, sempre tem a admiração dos “guris”.
“Eles sempre vem me perguntar o que é isso que eu estou fazendo, como é que eu resolvi esquiar, e falam coisas positivas, tipo ‘que legal’, ‘quero fazer isso também’.”
Hélio diz ainda que a admiração das crianças independe de classe social:
“Outro dia tinha um guri pedindo dinheiro na sinaleira e ele veio falar comigo quando me viu botar os esquis e começar o treino. Expliquei que estava esquiando, que não tinha como treinar na neve, e precisava esquiar na grama mesmo. Ele achou o máximo. Quando a sinaleira abria, ele vinha de novo perguntar alguma coisa, ou só ficar assistindo.”

 

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